Contas de faz-de-conta - Editorial do Estadão
O Estado de S. Paulo (9 de julho) - Não é apenas por seu notório objetivo eleitoral que o anúncio do governo de que está aumentando os investimentos deve ser analisado com grande desconfiança. Os números apresentados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para tentar convencer a população de que os investimentos de hoje são mais do que suficientes para garantir o rápido crescimento nos próximos anos, estão inflados. Para conquistar votos, o governo faz contas de faz-de-conta.
O momento escolhido pelo ministro para apresentar os números dos investimentos realizados nos últimos anos não deixa dúvidas quanto ao caráter eleitoral da divulgação. O anúncio foi feito a três meses das eleições e uma semana depois da oficialização da candidatura do presidente Lula à reeleição. Outra indicação dos objetivos meramente eleitorais do anúncio foi a comparação de números do governo atual com os do governo FHC. Obsessão do presidente-candidato, essa comparação será um dos pontos fortes de sua propaganda eleitoral.
Seria bom para todos se a realidade comprovasse que este governo é melhor que o anterior e que os resultados dos próximos governantes superassem os de seus antecessores. Com tabelas e gráficos, o ministro da Fazenda bem que tentou mostrar que isso já está ocorrendo. Os investimentos no governo Lula, segundo ele, estão aumentando desde 2004 e, mantida essa trajetória, a economia poderá crescer 4,75% em 2007 e 5% em 2008. "Se o investimento está aumentando, significa que o Brasil pode crescer a taxas cada vez mais elevadas."
É no mínimo discutível que os investimentos estejam crescendo. Segundo o ministro, os investimentos com recursos do Orçamento da União passaram de 0,41% do PIB em 2003 para 0,88% em 2005. Neste ano, de acordo com o ministro, pode chegar a 0,9%. Na média do governo Lula, porém, corresponderá a 0,7%, inferior à registrada no segundo mandato de FHC, de 0,9% do PIB.
A comparação, desfavorável para o governo Lula, não é o único ponto negativo dos números do ministro. Pior é a confiabilidade desses números. Como mostrou reportagem de Sérgio Gobetti publicada pelo Estado na quarta-feira, eles são mentirosos. Cerca de 25% dos investimentos que o governo Lula diz ter executado não saíram do papel.
Não é um problema novo, nem típico deste governo. Já no anterior havia discrepâncias entre o investimento anunciado e o efetivamente realizado. Mas, neste, as diferenças têm sido muito maiores. Dos investimentos anunciados de R$ 35,3 bilhões desde 2003, apenas R$ 26,8 bilhões foram de fato pagos até o fim de junho.
A origem da discrepância está na decisão do Tesouro Nacional de classificar automaticamente como "liquidado" todo valor empenhado no fim do ano. O empenho corresponde à autorização para a contratação de obra ou serviço. A liquidação só ocorre depois que o órgão responsável pela contratação atesta que a obra ou o serviço foram concluídos ou o equipamento comprado foi de fato entregue. Só então se faz o pagamento. Por causa dessa confusão, obras mal começadas são registradas como concluídas. No projeto de transposição do Rio São Francisco, por exemplo, uma obra embargada pela Justiça, de acordo com o governo já teriam sido investidos R$ 408,9 milhões, quando, de fato, foram justos R$ 116 milhões, que correspondem ao custo dos projetos iniciais de planejamento e de engenharia.
Em 2005, registra o governo, foram empenhados e "liquidados" investimentos de R$ 17,3 bilhões. Mas o valor pago foi de apenas R$ 5,9 bilhões; em 2006, foram pagos outros R$ 4,6 bilhões, totalizando R$ 10,5 bilhões, bem menos do que o valor anunciado.
Pior é o quadro dos investimentos programados para 2006. Segundo o ministro da Fazenda, o governo deve empenhar R$ 19 bilhões para investimentos. Mas, no primeiro semestre, foram autorizados apenas R$ 7,9 bilhões, o realizado não passou de R$ 668 milhões e o pago, de R$ 527 milhões. No que se refere a investimentos de governo o papel aceita qualquer coisa. Mas, para sair do papel, qualquer investimento precisa mais do que pedra inaugural.
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