terça-feira, julho 04, 2006

Venezuela ingressa no Mercosul e analistas alertam para riscos

Por Guido Nejamkis

CARACAS (Reuters) - A entrada no Mercosul da Venezuela, que passa a ser o quinto membro do bloco a partir de terça-feira, estimulará as exportações do Brasil e da Argentina para o país petroleiro, mas, segundo analistas, também representa riscos de conflito no debilitado projeto de integração sul-americana. Na opinião de especialistas, o ingresso da Venezuela levará o discurso do presidente do país, Hugo Chávez, contra os EUA para dentro do bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, no momento em que as desavenças internas ameaçam converter o Mercosul em uma estrutura inoperante.

"O Mercosul está em dificuldades, mas não está morto e nem morrerá. O risco é que perca seu conteúdo concreto. Pode acontecer com ele o que aconteceu com a Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), que continua existindo, mas na qual ninguém presta atenção. Esse é um risco palpável", disse Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nova Maioria.

Indiferente a esses conflitos e sedento por ampliar sua influência na região, Chávez celebrará na terça-feira o ingresso de seu país no bloco ao lado dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner (Argentina), Tabaré Vázquez (Uruguai) e Nicanor Duarte Frutos (Paraguai).

O presidente boliviano, Evo Morales, também foi convidado para participar da reunião.

Com a adesão venezuelana, o comércio entre a Venezuela e o Mercosul, dentro de seis anos, não terá mais tarifas alfandegárias, com exceções. Mas o país produtor de petróleo, mais próximo historicamente do Caribe e da região andina do que do Cone Sul, adquire imediatamente voz e voto nas instâncias decisórias do bloco.

Há meses, o Paraguai e o Uruguai vêm manifestando uma grande insatisfação com a união aduaneira e aventaram a hipótese, proibida pelas regras do bloco, de firmar acordos de livre comércio fora do Mercosul.

Félix Pena, diretor do Instituto de Comércio Internacional da Fundação BankBoston da Argentina, disse haver um risco de que o bloco se torne irrelevante. "Nesse caso, poderia aprofundar-se a percepção de um Mercosul de fachada, com muita pompa e pouco peso", avaliou.

ECONÔMICO VERSUS POLÍTICO

Especialistas afirmaram que a presença da Venezuela no bloco criará oportunidades, mas avisaram que, devido a sua postura política, Chávez apresentaria dificuldades para os governos da região.

"Do ponto de vista comercial e econômico, a Venezuela é um agregado positivo. Trata-se de um grande mercado para o qual se pode exportar mais", afirmou à Reuters o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa.

"Mas o problema que se cria é político porque Chávez é um presidente polêmico. Ele deve levar ao bloco uma série de assuntos que ninguém quer discutir, como as relações entre a Venezuela e os EUA", previu o ex-diplomata, hoje presidente da consultoria Rubens Barbosa e Associados, com sede em São Paulo.

Empresários venezuelanos criticaram o governo de Chávez devido ao ingresso no Mercosul, afirmando que o setor produtivo do país, com exceção das áreas de petróleo e alumínio, sofreria diante da competição das indústrias brasileiras, argentinas e, em alguns casos, uruguaias.

Ao assinar o pacto de ingresso no bloco, Chávez rompeu com a histórica resistência do empresariado venezuelano a uma associação com o Mercosul.

Segundo José Botafogo Gonçalves, ex-embaixador do Brasil na Argentina, a entrada da Venezuela incentivará as exportações do pólo industrial de Manaus, entre outros setores.

"Para o interesse do Brasil, do ponto de vista comercial e econômico, faz muito sentido que a Venezuela esteja presente no Mercosul. O norte brasileiro compra eletricidade produzida na Venezuela. E o pólo de Manaus poderá vender mais para a Venezuela, o Caribe e a região andina. Há uma complementaridade," acrescentou Botafogo, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

No entanto, o ex-embaixador mostrou-se preocupado com a reverberação dentro do Mercosul das posturas políticas adotadas por Chávez.

"O grande ponto de interrogação gira em torno do comportamento político de Chávez. As dúvidas vêm daí, da obsessão de Chávez de organizar uma agenda latino-americana segundo a qual seria bom para a região opor-se aos EUA. Políticas negativistas não são suficientes para criar um clube capaz de gerar resultados."

Segundo Botafogo, no Mercosul, "apenas o presidente Chávez tentará criar um diálogo áspero com os EUA". "Isso não é algo que interesse aos demais integrantes do bloco", acrescentou.

O ex-embaixador disse ainda que a presença da Venezuela poderia complicar as negociações do bloco sul-americano com a União Européia (UE) e, eventualmente, com os EUA.

"Chávez pode opinar, interferir e criar obstáculos. Esse é o problema, a obstinação política de Chávez. O resto é perfeitamente compatível", concluiu Botafogo.

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