O Mercosul ideologizado
Na primeira reunião de cúpula do Mercosul com a presença do coronel venezuelano Hugo Chávez, na condição de chefe do governo do mais recente país membro do bloco, o presidente Lula, por sua vez no papel de seu coordenador de turno, por 6 meses, festejou a nova abrangência do organismo, "da Terra do Fogo ao Caribe", e falou do seu grande sonho: um Mercosul expandido "da Patagônia ao México", passando pela Bolívia "e trazendo Cuba também". Ao seu lado, estava o ditador Fidel Castro, que se deslocou a Córdoba, na Argentina, a pretexto da assinatura de um acordo comercial entre a entidade e o seu país.
Nada impede o Mercosul de fazer negócios com outros blocos ou nações, mas o seu estatuto veda o ingresso de sócios que descumpram a sua cláusula democrática. A rigor, portanto, nem o autocrata no poder há 47 dos 80 anos que completará esta semana poderia sentar-se à mesma mesa dos dirigentes dos países latino-americanos associados, nem Lula - se conhece a Carta do Mercosul - poderia admitir o ingresso de Cuba enquanto a ilha estiver submetida ao regime liberticida indissociável da figura de seu jefe. Isso não é um detalhe. Antes de ser admitida na Comunidade Européia, por exemplo, a Turquia deverá demonstrar cabalmente não apenas que é uma democracia política, mas também que respeita os direitos civis de sua população - no caso, em especial a da sua população feminina.
A prematura referência à entrada de Cuba na união originalmente sulina não foi a única impropriedade da conduta de Lula em Córdoba. Para sustentar a opinião de que a presença institucional de Chávez no bloco não será fonte de problemas para o processo de integração regional, ele invocou os acordos comerciais entre a China e os EUA. Uma coisa flagrantemente não se compara à outra, que envolve o relacionamento bilateral entre dois países. No caso do Mercosul, o primeiro problema é a clara intenção de Chávez de usar a entidade como plataforma para o seu antiamericanismo - como acabou de fazer - e para nela afirmar as suas aspirações hegemônicas movidas a petrodólares.
O segundo problema, pelo que vem acontecendo na Venezuela, é saber por quanto tempo mais se poderá considerar o país uma democracia, nos termos dos estatutos do Mercosul. Lula parece levar com inquietante ligeireza os ampliados problemas políticos do bloco, mesmo ao reconhecer que o seu otimismo em relação ao futuro do pacto é "temperado com apreensão e cuidado". De fato, à luz dos dissensos entre os parceiros originais, beira o devaneio esperar que o Mercosul irá "atender às expectativas de todos os seus membros", sobretudo quando essas expectativas tendem a ficar cada vez mais contaminadas pela desintegradora ideologia do confronto. Daí a inadequação do comentário do presidente de que, se tivesse o temperamento de Chávez, "já teria feito três guerras" e que fica tranqüilo quando o vê tranqüilo.
A questão não é para amenidades, muito menos se resume ao "temperamento" do coronel, cujo intento ostensivo é liderar o combate (retórico) ao "imperialismo dos Estados Unidos" no palco internacional. Quando Lula se permite endossar a tosca visão chavista do mundo - "faz dois séculos que deixamos de ser colônias e não desejamos voltar a ser colonizados", entoou, em dado momento - evidentemente ele não atina com um paradoxo. Mercados comuns são o que há de mais moderno na economia política do capitalismo. Constituem, a olhos vistos, as principais engrenagens da ordem econômica globalizada. Imaginar, diante desse dado da realidade, que o Mercosul possa servir ao desenvolvimento econômico e social latino-americano enveredando pela contramão do nacionalismo e da xenofobia, ou é delírio ou é concessão oportunista ao atraso.
Combine-se isso com o ensurdecedor silêncio do brasileiro sobre a importância da consolidação da ordem democrática na região para a integração dos seus países - no que se nivelou a Chávez e a Castro - e se chegará ao melancólico prognóstico de que o Mercosul, caminhando para a ideologização, será mais uma da infindável série de oportunidades desperdiçadas na América Latina, aprofundando o fosso que a separa do dinamismo econômico de outras áreas do mundo, fruto de trabalho duro e políticas realistas.
Nada impede o Mercosul de fazer negócios com outros blocos ou nações, mas o seu estatuto veda o ingresso de sócios que descumpram a sua cláusula democrática. A rigor, portanto, nem o autocrata no poder há 47 dos 80 anos que completará esta semana poderia sentar-se à mesma mesa dos dirigentes dos países latino-americanos associados, nem Lula - se conhece a Carta do Mercosul - poderia admitir o ingresso de Cuba enquanto a ilha estiver submetida ao regime liberticida indissociável da figura de seu jefe. Isso não é um detalhe. Antes de ser admitida na Comunidade Européia, por exemplo, a Turquia deverá demonstrar cabalmente não apenas que é uma democracia política, mas também que respeita os direitos civis de sua população - no caso, em especial a da sua população feminina.
A prematura referência à entrada de Cuba na união originalmente sulina não foi a única impropriedade da conduta de Lula em Córdoba. Para sustentar a opinião de que a presença institucional de Chávez no bloco não será fonte de problemas para o processo de integração regional, ele invocou os acordos comerciais entre a China e os EUA. Uma coisa flagrantemente não se compara à outra, que envolve o relacionamento bilateral entre dois países. No caso do Mercosul, o primeiro problema é a clara intenção de Chávez de usar a entidade como plataforma para o seu antiamericanismo - como acabou de fazer - e para nela afirmar as suas aspirações hegemônicas movidas a petrodólares.
O segundo problema, pelo que vem acontecendo na Venezuela, é saber por quanto tempo mais se poderá considerar o país uma democracia, nos termos dos estatutos do Mercosul. Lula parece levar com inquietante ligeireza os ampliados problemas políticos do bloco, mesmo ao reconhecer que o seu otimismo em relação ao futuro do pacto é "temperado com apreensão e cuidado". De fato, à luz dos dissensos entre os parceiros originais, beira o devaneio esperar que o Mercosul irá "atender às expectativas de todos os seus membros", sobretudo quando essas expectativas tendem a ficar cada vez mais contaminadas pela desintegradora ideologia do confronto. Daí a inadequação do comentário do presidente de que, se tivesse o temperamento de Chávez, "já teria feito três guerras" e que fica tranqüilo quando o vê tranqüilo.
A questão não é para amenidades, muito menos se resume ao "temperamento" do coronel, cujo intento ostensivo é liderar o combate (retórico) ao "imperialismo dos Estados Unidos" no palco internacional. Quando Lula se permite endossar a tosca visão chavista do mundo - "faz dois séculos que deixamos de ser colônias e não desejamos voltar a ser colonizados", entoou, em dado momento - evidentemente ele não atina com um paradoxo. Mercados comuns são o que há de mais moderno na economia política do capitalismo. Constituem, a olhos vistos, as principais engrenagens da ordem econômica globalizada. Imaginar, diante desse dado da realidade, que o Mercosul possa servir ao desenvolvimento econômico e social latino-americano enveredando pela contramão do nacionalismo e da xenofobia, ou é delírio ou é concessão oportunista ao atraso.
Combine-se isso com o ensurdecedor silêncio do brasileiro sobre a importância da consolidação da ordem democrática na região para a integração dos seus países - no que se nivelou a Chávez e a Castro - e se chegará ao melancólico prognóstico de que o Mercosul, caminhando para a ideologização, será mais uma da infindável série de oportunidades desperdiçadas na América Latina, aprofundando o fosso que a separa do dinamismo econômico de outras áreas do mundo, fruto de trabalho duro e políticas realistas.
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