quinta-feira, agosto 31, 2006

Palavras ao vento

Folha de São Paulo
Programa de governo do PT nada diz; discurso que muda conforme a platéia costuma preceder estelionato eleitoral
FICOU CELEBRIZADA a reação do então ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen ao ser indagado sobre o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, que acabara de ser lançado pelo governo de Ernesto Geisel: "Não leio ficção". Qualificar de ficção o autodenominado programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divulgado na terça-feira, seria elogioso. As 30 páginas poderiam ser resumidas a uma só, em branco, tamanho o grau de generalidade do que expressam. Abaixar os juros, ampliar o gasto social, aumentar os investimentos públicos e privados, acelerar o crescimento do PIB, fortalecer o SUS e universalizar o ensino básico são metas que estão no universo semântico da cura do câncer: todos são a favor. Mas, além de empenhar-se em trazer a Copa do Mundo de futebol de 2014 para o Brasil, a que projetos, especificamente, uma hipotética segunda gestão Lula dedicaria suas energias para a consecução de ao menos parte daqueles nobres objetivos? A essa questão, que deveria ser o ponto de partida para a confecção de qualquer programa de governo, o texto do PT não responde. De onde sairão os recursos para o desejado aumento dos dispêndios sociais? Que fundos sustentarão a ampliação do gasto federal em infra-estrutura, hoje em níveis pífios? É possível fazer os dois ao mesmo tempo, dado o patamar asfixiante da carga tributária e da dívida pública? O programa de governo de Lula marca um retrocesso em relação ao que o próprio candidato havia afirmado há uma semana, em discurso no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Lá, diante de empresários, expressou a necessidade de "diminuir as despesas de custeio" do Estado, bem como o peso dos impostos no país. Muda a platéia, muda o discurso. Para agradar empreendedores, corte de gasto e de impostos; para afagar a militância petista, aumento de despesa e arroubos retóricos contra a "privataria" da era tucana. Para não perder votos de ninguém, cobrado ontem acerca do assunto, Lula voltou a prometer carga fiscal mais baixa. Em política, uma campanha "customizada" -como se diz no jargão em voga-, ao gosto de cada freguês, é apenas a ante-sala do logro, do estelionato eleitoral. Não favorece o amadurecimento da democracia a estratégia em que o candidato despista o eleitorado ao longo da campanha para depois de eleito explicitar a que interesses irá desagradar.
De acordo com o Datafolha, Lula teria mais de 60 milhões de votos caso a eleição fosse hoje. Se dá valor às palavras "transparência" e "ética" -que insiste em pronunciar a torto e a direito mesmo após o mensalão ter-lhe varrido as cúpulas do governo e do partido-, o candidato à reeleição deveria explicitar o que pretende fazer com tamanho capital eleitoral. Deveria ser o primeiro interessado em participar de debates e entrevistas. Lula, porém, foge o quanto pode desse compromisso com a evolução das instituições políticas. Seu séquito continua a tratá-lo como um ídolo religioso, que não pode ser profanado.

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