VEJA - Ficou ainda pior
Em sua edição de 13 de setembro, VEJA revelou a justificativa dada pelo governo ao Tribunal de Contas da União (TCU) para o desaparecimento de 2 milhões de encartes e revistas de propaganda institucional pagos com dinheiro público. O governo informou ao TCU que o material, sobre o qual não há registro nas repartições oficiais, havia sido entregue diretamente pelas gráficas ao Partido dos Trabalhadores. Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), responsável pela elaboração da propaganda, isso ocorreu porque o PT se dispôs a distribuir os encartes e revistas à população, com o objetivo de baratear os custos para os cofres do Estado. Diante da explicação do governo, o ministro Ubiratan Aguiar, relator do processo que investiga o caso, afirmou, em voto proferido no mês passado, ter havido uma confusão inadmissível entre os interesses do governo e os de um partido político. Ele determinou, ainda, que o ex-ministro Luiz Gushiken, na ocasião à frente da Secom, e outros nove funcionários devolvessem ao Erário o valor gasto com o material supostamente entregue ao PT, além daquele despendido com outros 3 milhões de exemplares efetivamente distribuídos, mas produzidos a preços superfaturados. O total do dinheiro a ser reembolsado alcança 11 milhões de reais.
Na semana passada, VEJA teve acesso às 32 páginas do relatório técnico do TCU sobre o assunto e descobriu que o caso é bem complicado. Para os auditores do tribunal, há a hipótese de que os 2 milhões de encartes e revistas não tenham sido sequer produzidos e que o dinheiro pago pela Secom às gráficas serviu, na verdade, para remunerar serviços eleitorais feitos por elas ao próprio PT. A versão de que as cartilhas foram entregues ao PT seria, portanto, apenas uma desculpa para encobrir o crime de desvio de dinheiro público. Ao todo, dos 25 pontos fornecidos pela Secom para tentar comprovar a existência do material gráfico e a sua conseqüente distribuição, dezenove foram rechaçados pelos técnicos do tribunal. Os outros seis são compostos apenas de dados acessórios.
A mixórdia de versões da Secom é grande. De acordo com a secretaria, 1.000 exemplares foram entregues diretamente ao escritório da Presidência da República em São Paulo. Os técnicos do TCU, no entanto, não encontram uma prova consistente disso. A nota fiscal emitida pela gráfica responsável pela confecção desses exemplares estava em branco no campo destinado ao receptor. Há irregularidades mais gritantes. Na suposta entrega para o PT de um lote de 48.000 unidades, a nota fiscal traz valor distinto daquele pago pela Secom para a impressão das cartilhas. A secretaria diz que pagou 2,49 reais por unidade, mas no documento está 1,61 real. No afã de conseguir qualquer documento para comprovar o envio das revistas, a Secom chegou a entregar ao TCU recibos que faziam referência a um material editado em espanhol. Com relação a outros lotes, a secretaria nem sequer se deu ao trabalho de explicar ou anexar documentos que provassem sua confecção e distribuição.
As agências de publicidade responsáveis por produzir os encartes e revistas têm relação antiga com o PT. Uma delas é a Duda Mendonça & Associados, do marqueteiro próximo ao presidente Lula. A outra é a Matisse, de Paulo de Tarso Santos, publicitário amigo do presidente e marqueteiro das duas primeiras campanhas de Lula ao Planalto, em 1989 e 1994. Não é novidade que, para o PT, não há fronteira entre Estado e partido. Essa confusão foi atestada pelo próprio ministro Ubiratan Aguiar em seu voto. Esperava-se apenas que, após os escândalos que envolveram a Secom no ano passado, como os contratos superfaturados com as empresas do lobista Marcos Valério, o governo promovesse uma limpa nos quadros do órgão. Mas o que se viu foi um desligamento apenas formal de Gushiken e de seu então braço-direito, Marcus Flora. Dos outros oito servidores responsabilizados pelo TCU no caso dos encartes e revistas desaparecidos, seis continuam na secretaria, firmes e fortes, mandando e desmandando. Esse é o governo da companheirada.
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