Um samba de muitas notas
O Estado de São Paulo
Despreparado para enfrentar aquilo de que fugiu durante todo o mandato - a contestação face a face de suas alegações triunfalistas em relação a qualquer e a todos os aspectos de seu governo -, o presidente Lula saiu atordoado dos estúdios da TV Bandeirantes depois do debate em que o tucano Geraldo Alckmin já na sua primeira intervenção o levou às cordas. Pudera. Sorteado para abrir o confronto, o ex-governador foi direto à mais recente manifestação do problema em relação ao qual nem o seu adversário muito menos os petistas em geral conseguiram alguma vez oferecer uma resposta convincente: as investidas seqüenciais contra a lei e os princípios da ética na política, a que se entregou com gana incomum o esquema petista de poder.
Pegou tão fundo a cobrança de Alckmin sobre a origem da bolada com a qual agentes petistas iam comprar o desde logo desmoralizado dossiê antitucano que no dia seguinte Lula ainda continuava grogue. E, nesse estado de desorientação, em vez de ficar na muda, como aconselharia a prudência, resolveu partir para um revide infeliz, que decerto dará novas armas ao seu desafiante. De fato, em seus comentários sobre o comportamento do opositor, ele apenas escancarou o flanco que deixara aberto na noite de domingo. Com ares de vítima de uma ignominiosa onda de calúnias, a uma platéia de evangélicos que dizia amém às suas parábolas - como a direita cristã americana diante do presidente Bush -, Lula proferiu pelo menos duas enormidades.
A primeira foi chamar Alckmin de “samba de uma nota só”, por sua insistência em debater os atos sistemáticos de corrupção do petismo federal. Se Alckmin é o candidato de “uma nota só”, Lula pode ser chamado de candidato de 1 milhão e 750 mil notas.
Depois, misturando metáforas, como de seu feitio - no domingo sugeriu que o oponente fizera um “curso de psicodrama” para decorar as suas falas, como se essa fosse a serventia do método terapêutico -, Lula comparou Alckmin a um “delegado de porta de cadeia”. Pior do que se atrapalhar com a expressão “advogado de porta de cadeia”, quem sabe por um lapso freudiano, foi ele dar margem a que a oposição lhe dê o troco apropriado, lembrando que esse é o papel que vem desempenhando Márcio Thomaz Bastos como ministro da Justiça do governo petista.
Além disso, no caso específico do esclarecimento da Operação Tabajara, pouca dúvida pode existir de que Bastos advoga para a reeleição do chefe. Numa transparente tentativa de retardar os trabalhos da Polícia Federal, que lhe é subordinada, ele previu sossegadamente que a verdade sobre o negócio do dossiê de forma alguma poderia ser conhecida antes do segundo turno, tão extraordinariamente difícil seria a tarefa de reconstituir a trajetória do escândalo e identificar os fornecedores do alentado numerário - que o órgão, contrariando a praxe, não quis que fosse fotografado. Se isso não é advocacia de porta de cadeia, o que será?
A cartada da vitimização, traduzida nas acusações de Lula a Alckmin, só poderia ganhar a mesa se os 58 milhões de eleitores que no 1º de outubro se negaram a votar em Lula e sabe-se lá quantos dos que o fizeram formassem uma imensa legião de pascácios. O truque até que poderia funcionar se a malfeitoria do dossiê - que de fato ajudou a levar a disputa para o segundo turno, para infelicidade do presidente - tivesse sido um raio em céu azul, a proverbial exceção que confirmaria a regra da integridade moral do governo e do partido hegemônico. Mas o de que se trata não é de denúncias não confirmadas, mas sim de uma seqüência de fatos flagrados, a começar pelo pedido de propina de Waldomiro Diniz, passando pela cueca cheia de dólares e o caso do caseiro Francenildo, até o dossiê de 1 milhão e setecentas e cinqüenta mil notas. Ou seja, trata-se da “sofisticada organização criminosa” a que se referiu o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, nomeado por Lula.
E, diante desse lodaçal, o presidente apenas “cortou na carne”, como se gaba, apartando-se da verdade, impelido pela força dos fatos - e para se distanciar dos companheiros-aloprados. Por isso, pouco importa que o golpe do dossiê não lhe conviesse. O ato “abominável” foi coerente com o padrão ético do lulismo. Agora, Lula querer se passar por vítima de caluniadores já é demais.
Despreparado para enfrentar aquilo de que fugiu durante todo o mandato - a contestação face a face de suas alegações triunfalistas em relação a qualquer e a todos os aspectos de seu governo -, o presidente Lula saiu atordoado dos estúdios da TV Bandeirantes depois do debate em que o tucano Geraldo Alckmin já na sua primeira intervenção o levou às cordas. Pudera. Sorteado para abrir o confronto, o ex-governador foi direto à mais recente manifestação do problema em relação ao qual nem o seu adversário muito menos os petistas em geral conseguiram alguma vez oferecer uma resposta convincente: as investidas seqüenciais contra a lei e os princípios da ética na política, a que se entregou com gana incomum o esquema petista de poder.
Pegou tão fundo a cobrança de Alckmin sobre a origem da bolada com a qual agentes petistas iam comprar o desde logo desmoralizado dossiê antitucano que no dia seguinte Lula ainda continuava grogue. E, nesse estado de desorientação, em vez de ficar na muda, como aconselharia a prudência, resolveu partir para um revide infeliz, que decerto dará novas armas ao seu desafiante. De fato, em seus comentários sobre o comportamento do opositor, ele apenas escancarou o flanco que deixara aberto na noite de domingo. Com ares de vítima de uma ignominiosa onda de calúnias, a uma platéia de evangélicos que dizia amém às suas parábolas - como a direita cristã americana diante do presidente Bush -, Lula proferiu pelo menos duas enormidades.
A primeira foi chamar Alckmin de “samba de uma nota só”, por sua insistência em debater os atos sistemáticos de corrupção do petismo federal. Se Alckmin é o candidato de “uma nota só”, Lula pode ser chamado de candidato de 1 milhão e 750 mil notas.
Depois, misturando metáforas, como de seu feitio - no domingo sugeriu que o oponente fizera um “curso de psicodrama” para decorar as suas falas, como se essa fosse a serventia do método terapêutico -, Lula comparou Alckmin a um “delegado de porta de cadeia”. Pior do que se atrapalhar com a expressão “advogado de porta de cadeia”, quem sabe por um lapso freudiano, foi ele dar margem a que a oposição lhe dê o troco apropriado, lembrando que esse é o papel que vem desempenhando Márcio Thomaz Bastos como ministro da Justiça do governo petista.
Além disso, no caso específico do esclarecimento da Operação Tabajara, pouca dúvida pode existir de que Bastos advoga para a reeleição do chefe. Numa transparente tentativa de retardar os trabalhos da Polícia Federal, que lhe é subordinada, ele previu sossegadamente que a verdade sobre o negócio do dossiê de forma alguma poderia ser conhecida antes do segundo turno, tão extraordinariamente difícil seria a tarefa de reconstituir a trajetória do escândalo e identificar os fornecedores do alentado numerário - que o órgão, contrariando a praxe, não quis que fosse fotografado. Se isso não é advocacia de porta de cadeia, o que será?
A cartada da vitimização, traduzida nas acusações de Lula a Alckmin, só poderia ganhar a mesa se os 58 milhões de eleitores que no 1º de outubro se negaram a votar em Lula e sabe-se lá quantos dos que o fizeram formassem uma imensa legião de pascácios. O truque até que poderia funcionar se a malfeitoria do dossiê - que de fato ajudou a levar a disputa para o segundo turno, para infelicidade do presidente - tivesse sido um raio em céu azul, a proverbial exceção que confirmaria a regra da integridade moral do governo e do partido hegemônico. Mas o de que se trata não é de denúncias não confirmadas, mas sim de uma seqüência de fatos flagrados, a começar pelo pedido de propina de Waldomiro Diniz, passando pela cueca cheia de dólares e o caso do caseiro Francenildo, até o dossiê de 1 milhão e setecentas e cinqüenta mil notas. Ou seja, trata-se da “sofisticada organização criminosa” a que se referiu o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, nomeado por Lula.
E, diante desse lodaçal, o presidente apenas “cortou na carne”, como se gaba, apartando-se da verdade, impelido pela força dos fatos - e para se distanciar dos companheiros-aloprados. Por isso, pouco importa que o golpe do dossiê não lhe conviesse. O ato “abominável” foi coerente com o padrão ético do lulismo. Agora, Lula querer se passar por vítima de caluniadores já é demais.
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