O que o debate deixou claro
O Estado de São Paulo
Três anos e nove meses de governo Lula foram mais que suficientes para não deixar dúvidas sobre o seu escasso preparo para conduzir um país como o Brasil. Maquiavel diria que ele deve antes à Fortuna das circunstâncias do que à Virtù pessoal o que tiver a contabilizar como êxitos da sua gestão. As limitações do presidente eram ainda acentuadas pelo contraste com os atributos do candidato - a palavra fácil e a aptidão para projetar uma imagem de autenticidade. Daí a grande surpresa do debate de domingo: pela primeira vez desde o seu desastroso desempenho no confronto com Fernando Collor em 1989, Lula se mostrou despreparado para um duelo político em público.
Especialmente nos primeiros atos do espetáculo, a contundência, inesperada e persistente, do tucano Geraldo Alckmin, ao abordar os esquemas de corrupção postos em marcha pelo dispositivo petista de poder, o deixou desconcertado - como se ele e os seus treinadores tivessem imaginado, absurdamente, que o assunto passaria em branca nuvem. Quem desligasse o som do televisor para se concentrar unicamente na expressão corporal do petista, na sua incontida agitação e nas caras e bocas de sua fisionomia, decerto se espantaria com tamanha exibição de desconforto, sinal de que as cobranças do opositor, exatamente por se referirem ao que se referiam, pegaram no queixo de quem passou a vida se arrogando o monopólio da ética, deixando-o “grogue”.
Saltou à vista que Lula não tem defesa nesse quesito. Tanto não tem que o melhor que lhe ocorreu foi retrucar que “a compra espúria de votos” começou na votação da emenda constitucional que instituiu a reeleição em 1997. Nunca antes, desde que o deputado petebista Roberto Jefferson acrescentou ao léxico político nacional o termo mensalão, Lula se viu obrigado a reconhecer o que de fato foi o ultraje - não um episódio venial de uso de “recursos não contabilizados”, conforme o eufemismo delubiano para caixa 2, mas uma operação sistemática de suborno de deputados. Na mesma linha, ele se agarrou à palha de lembrar que o valerioduto foi inaugurado em território tucano em 1998, em Minas, apenas para receber o troco de que “um erro não justifica o outro”.
Lula fez uma boa frase - “não sou policial, sou presidente da República” - para tentar se desvencilhar do que mais o aperta no recente cipoal que o enlaçou, na baldada tentativa petista de comprar um imaginário dossiê antitucano: a origem do R$ 1,7 milhão apreendido em mãos de dois aloprados prontos para fechar o negócio. Mas teve uma pronta resposta de Alckmin: “Não precisa ser policial; basta perguntar para seus amigos mais íntimos.” Aliás, dado o retrospecto - do qual Alckmin não deixou pedra sobre pedra -, os protestos de inocência do presidente, no duplo sentido de não ser culpado e de não saber, soaram sempre flácidos, postiços.
Se assim não fosse, um jornalista não indagaria de Lula, candidamente, que garantias tem a dar aos brasileiros de que, em um novo mandato, outras falcatruas não serão perpetradas no seu entorno, precisamente porque ele, como alega, desconhecia as anteriores enquanto ocorriam. Sem falar que o presidente fez por merecer a reprimenda que lhe passou Alckmin - “não minta, Lula” - por haver atribuído ao tucano, em comício, a intenção de privatizar os Correios, o Banco do Brasil, a Petrobrás… Confrontado com a verdade de que Alckmin nunca disse isso, nem isso consta de seu programa, Lula buscou em vão abrir a saída de emergência, dizendo que, a julgar pelas privatizações no governo Fernando Henrique, é o que se poderia deduzir.
Debates em situações de reeleição dão aos antagonistas vantagens e desvantagens diferentes. Um tem o conforto de ser o desafiante; outro tem as suas realizações, amplificadas ou não, a ostentar. O primeiro só tem a perder as expectativas de alijar o segundo do governo. O segundo tem a perder a condição efetiva de detentor do poder. Isto posto, ficou claro ao longo de um duelo eleitoral emocionante do começo ao fim - concebido e levado ao ar com competência, profissionalismo e em horário civilizado, além do mais - que Alckmin se saiu melhor no seu papel do que Lula no dele. Ainda assim, é prematuro prever que o ex-governador tomará votos do presidente, ou, muito menos, vice-versa. Mas algo há de ter se movido no universo dos indecisos, bem como entre os eleitores de Heloísa Helena e Cristovam Buarque. Logo se saberá.
Três anos e nove meses de governo Lula foram mais que suficientes para não deixar dúvidas sobre o seu escasso preparo para conduzir um país como o Brasil. Maquiavel diria que ele deve antes à Fortuna das circunstâncias do que à Virtù pessoal o que tiver a contabilizar como êxitos da sua gestão. As limitações do presidente eram ainda acentuadas pelo contraste com os atributos do candidato - a palavra fácil e a aptidão para projetar uma imagem de autenticidade. Daí a grande surpresa do debate de domingo: pela primeira vez desde o seu desastroso desempenho no confronto com Fernando Collor em 1989, Lula se mostrou despreparado para um duelo político em público.
Especialmente nos primeiros atos do espetáculo, a contundência, inesperada e persistente, do tucano Geraldo Alckmin, ao abordar os esquemas de corrupção postos em marcha pelo dispositivo petista de poder, o deixou desconcertado - como se ele e os seus treinadores tivessem imaginado, absurdamente, que o assunto passaria em branca nuvem. Quem desligasse o som do televisor para se concentrar unicamente na expressão corporal do petista, na sua incontida agitação e nas caras e bocas de sua fisionomia, decerto se espantaria com tamanha exibição de desconforto, sinal de que as cobranças do opositor, exatamente por se referirem ao que se referiam, pegaram no queixo de quem passou a vida se arrogando o monopólio da ética, deixando-o “grogue”.
Saltou à vista que Lula não tem defesa nesse quesito. Tanto não tem que o melhor que lhe ocorreu foi retrucar que “a compra espúria de votos” começou na votação da emenda constitucional que instituiu a reeleição em 1997. Nunca antes, desde que o deputado petebista Roberto Jefferson acrescentou ao léxico político nacional o termo mensalão, Lula se viu obrigado a reconhecer o que de fato foi o ultraje - não um episódio venial de uso de “recursos não contabilizados”, conforme o eufemismo delubiano para caixa 2, mas uma operação sistemática de suborno de deputados. Na mesma linha, ele se agarrou à palha de lembrar que o valerioduto foi inaugurado em território tucano em 1998, em Minas, apenas para receber o troco de que “um erro não justifica o outro”.
Lula fez uma boa frase - “não sou policial, sou presidente da República” - para tentar se desvencilhar do que mais o aperta no recente cipoal que o enlaçou, na baldada tentativa petista de comprar um imaginário dossiê antitucano: a origem do R$ 1,7 milhão apreendido em mãos de dois aloprados prontos para fechar o negócio. Mas teve uma pronta resposta de Alckmin: “Não precisa ser policial; basta perguntar para seus amigos mais íntimos.” Aliás, dado o retrospecto - do qual Alckmin não deixou pedra sobre pedra -, os protestos de inocência do presidente, no duplo sentido de não ser culpado e de não saber, soaram sempre flácidos, postiços.
Se assim não fosse, um jornalista não indagaria de Lula, candidamente, que garantias tem a dar aos brasileiros de que, em um novo mandato, outras falcatruas não serão perpetradas no seu entorno, precisamente porque ele, como alega, desconhecia as anteriores enquanto ocorriam. Sem falar que o presidente fez por merecer a reprimenda que lhe passou Alckmin - “não minta, Lula” - por haver atribuído ao tucano, em comício, a intenção de privatizar os Correios, o Banco do Brasil, a Petrobrás… Confrontado com a verdade de que Alckmin nunca disse isso, nem isso consta de seu programa, Lula buscou em vão abrir a saída de emergência, dizendo que, a julgar pelas privatizações no governo Fernando Henrique, é o que se poderia deduzir.
Debates em situações de reeleição dão aos antagonistas vantagens e desvantagens diferentes. Um tem o conforto de ser o desafiante; outro tem as suas realizações, amplificadas ou não, a ostentar. O primeiro só tem a perder as expectativas de alijar o segundo do governo. O segundo tem a perder a condição efetiva de detentor do poder. Isto posto, ficou claro ao longo de um duelo eleitoral emocionante do começo ao fim - concebido e levado ao ar com competência, profissionalismo e em horário civilizado, além do mais - que Alckmin se saiu melhor no seu papel do que Lula no dele. Ainda assim, é prematuro prever que o ex-governador tomará votos do presidente, ou, muito menos, vice-versa. Mas algo há de ter se movido no universo dos indecisos, bem como entre os eleitores de Heloísa Helena e Cristovam Buarque. Logo se saberá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário