sábado, outubro 07, 2006

Veja - As duas faces de Lula

Com opiniões que mudam ao sabor dos ventos eleitorais, o candidato-presidente deixa os brasileiros em dúvida: afinal de contas, no que ele realmente acredita?

Tudo bem que a coerência férrea costuma ser atributo da burrice. Está certo que um político precisa de jogo de cintura e algum contorcionismo para moldar-se às circunstâncias. Mas o candidato-presidente anda exagerando nas afirmações contraditórias. Já se sabia que há um Lula de palanque, que vocifera contra "as elites", e um Lula de salão, que as apazigua. O dado inquietante é que, agora, suas idas e vindas retóricas são a respeito de aspectos fundamentais para a sociedade, como democracia, corrupção e imprensa. Pouco antes do primeiro turno, o candidato-presidente deixou escapar que tinha vontade de fechar o Congresso, deu a entender que o dossiêgate era um escândalo fabricado pela oposição para derrubá-lo e que, ao noticiar o festival de descalabros do seu governo, a imprensa queria "massacrá-lo". Com o segundo turno pela frente, Lula voltou atrás nessas opiniões, tentando reviver a linha "paz e amor" da campanha de 2002. Como certas convicções não deveriam estar sujeitas ao sabor dos ventos eleitorais, é legítimo perguntar: afinal de contas, no que será que o candidato-presidente realmente acredita?

Segundo turno

ANTES
"Nós vamos ganhar essas eleições domingo, e, se alguém achar que vai para o segundo turno, pode esperar para concorrer em 2010. Porque esta nós já matamos no primeiro turno. Dia 1º de outubro é dia de a onça beber água, e essa oncinha está com sede."
Em comício no interior de São Paulo, oito dias antes do primeiro turno

DEPOIS
"Não venci porque não venci. Não tinha eleição ganha. O fato concreto é que faltou voto para a gente ganhar no primeiro turno."
Em entrevista coletiva, um dia depois da votação


As fotos do dinheiro

ANTES
"Ou ele (Edmilson Bruno, delegado da Polícia Federal que divulgou as fotos do dinheiro do dossiêgate) fez de má-fé ou está mancomunado com alguém."
Dia 30 de setembro, em entrevista a jornalistas em São Bernardo do Campo

DEPOIS
"Se o fato (o dossiêgate) aconteceu, ele tem de ser mostrado. O fato concreto é que tinha o dinheiro, tinha a fotografia. Poderia ter sido mostrada no dia, poderia ter sido mostrada quando bem entendesse."
Dia 2 de outubro, na entrevista coletiva


Imprensa

ANTES
"Se a nossa querida imprensa brasileira tivesse tido comigo 10% da condescendência que teve com o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, hoje eu teria 70% dos votos nestas eleições. Poucas vezes na história do país um presidente foi tão massacrado como eu fui."
Dia 25 de setembro, em comício em Porto Alegre

DEPOIS
"Todo mundo se queixa da imprensa. Mais dia, menos dia o político tem uma queixa. A imprensa tem um papel muito importante na conquista da democracia."
Dia 2 de outubro, na entrevista coletiva


Collor

ANTES
"Muita coisa vai melhorar. O que não vai melhorar é a política. Se acontecer o que está parecendo, vai piorar. O Paulo Maluf se eleger deputado, o Fernando Collor se eleger, o Clodovil se eleger..."
Dia 18 de setembro, em entrevista durante viagem de campanha

DEPOIS
"Com a experiência que ele (Collor) tem de presidente da República, certamente poderá, se quiser, fazer um trabalho excepcional no Senado."
Dia 2 de outubro, na entrevista coletiva


Congresso

ANTES
"Staub (o empresário Eugênio Staub), não acorde o demônio que tem em mim, porque a vontade que dá é fechar esse Congresso e fazer o que é preciso."
Dia 14 de setembro, em um jantar com empresários em Brasília

DEPOIS
"O Congresso é a caixa de ressonância da consciência política da sociedade no dia da votação."
Dia 2 de outubro, na entrevista coletiva


"Candidato dos pobres"

ANTES
"Estou ganhando porque o povo descobriu que um igual pode fazer por ele o que um diferente não conseguiu fazer. (...) A única frustração que eu tenho é que os ricos não estejam votando em mim. Porque eles ganharam dinheiro como ninguém no meu governo."
Dia 18 de setembro, em entrevista durante viagem de campanha

DEPOIS
"Alguém quer vender isso: dividir o Brasil entre pobres e ricos. A sociedade brasileira e a cultura brasileira não aceitam essa divisão."
Dia 2 de outubro, na entrevista coletiva


Debate

ANTES
"Hoje estou convencido de que minha decisão (de não ir ao debate) foi certa. O povo assistiu e viu o nível do debate que meus adversários queriam fazer."
Dia 29 de setembro, em ato de campanha realizado em São Bernardo do Campo

DEPOIS
"Não tenho ainda uma aferição para medir se eu deveria ter ido ou não, não tenho pesquisa. (...) Vamos ter oportunidade agora de ter debate, vai ser mais esclarecedor."
Dia 2 de outubro, na entrevista coletiva


Dossiêgate

ANTES
"Primeiro, nós temos que levar em conta a quem interessa, nessas alturas do campeonato, melar o processo eleitoral no Brasil. (...) Por que alguém que quer me ajudar faria um ato insano desses? É importante lembrar que os que estão me acusando agora faz mais ou menos dois anos que não querem que eu participe da reeleição."
Insinuando a existência de uma suposta armação da oposição no caso do dossiêgate, em entrevista dada no dia 19 de setembro

DEPOIS
"Eu quero saber quem arquitetou essa obra de engenharia para atirar no próprio pé."
Assumindo que seu próprio partido estava por trás do escândalo, na entrevista coletiva do dia 2 de outubro

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