terça-feira, outubro 24, 2006

A política do apagão

Estado de São Paulo
O Brasil só poderá evitar um apagão, nos próximos anos, se continuar a crescer muito menos que as outras economias emergentes ou se realizar, com urgência, grandes e bem planejados investimentos em geração e distribuição de energia elétrica. Segundo recente estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o problema energético no Brasil, o País poderá crescer 43,7% até 2015 e chegar a um Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de R$ 2,8 trilhões. Mas isso só acontecerá se não houver alteração no preço da eletricidade, diz o estudo, citado em reportagem publicada no Estado de sexta-feira. No pior cenário, por enquanto o mais realista, o crescimento acumulado até 2015 não passará de 32,7% e o PIB será R$ 214 bilhões menor do que seria na primeira hipótese, numa estimativa com preços de 2005.

Os economistas da FGV desenharam o pior cenário não por mau humor, mas com base na preocupante experiência dos últimos tempos. Nos últimos seis anos o custo da energia elétrica para as empresas mais que dobrou e tudo indica que vai continuar em alta, se os investimentos continuarem abaixo das necessidades.

Mesmo na projeção mais favorável - a de preços constantes -, o crescimento da economia será modesto: 3,69% ao ano até 2010 e 3,70% nos cinco anos seguintes. Nessas duas etapas, o PIB chinês deverá aumentar, de acordo com a tabela da FGV, 5,15% ao ano e depois 4,04% - estimativas obviamente muito conservadoras, se for levado em conta o desempenho da China nos últimos dez anos. Para a Coréia, um dos industrializados mais dinâmicos, as projeções são de 4,24% ao ano até 2010 e 4,20% até 2015.

Para manter aquela expansão econômica pífia, o Brasil precisará atender a um crescimento anual da demanda de energia elétrica de 4,61% na primeira etapa e de 4,19% na seguinte. Em todo o período até 2015 as importações aumentarão com o dobro da velocidade das exportações, estreitando a segurança do setor externo.

Na hipótese intermediária, com menor encarecimento da eletricidade, o PIB em 2015 será R$ 143 bilhões menor do que na primeira hipótese. Será uma evolução menos desastrosa, mas ainda assim muito ruim, tanto para a criação de empregos quanto para a redução da pobreza no País. E, de toda forma, estaremos muito atrasados em relação aos competidores.

O Brasil já paga um preço muito alto pelos erros da política energética nos últimos anos. Em 2003, segundo a reportagem publicada pelo Estado, 8 siderúrgicas brasileiras do Grupo Gerdau, que tem 37 usinas espalhadas pelo mundo, estavam entre as 10 com menor custo de eletricidade. Em 2006, a relação é inversa. Estão no Brasil 6 das unidades com maiores custos e apenas 2 daquelas com energia elétrica mais barata.

Esses dados permitem uma visão mais completa e mais preocupante do problema: as falhas da política brasileira estão convertendo uma velha vantagem competitiva, a energia barata, em grande desvantagem. Com essa mudança, amplia-se a lista, já muito longa, de fatores que afugentam os investidores estrangeiros e estimulam os empresários brasileiros a buscar outros países para trabalhar.

Os governos brasileiros foram capazes, durante décadas, de planejar a oferta de eletricidade com grande antecedência. A partir da crise externa dos anos 80 os investimentos diminuíram e, pior que isso, os velhos padrões de planejamento foram perdidos. Foi essa a causa principal do apagão em 2001. A seca apenas castigou a imprevidência diante de um perigo que era evidente.

A lição poderia ter sido suficiente para uma retomada do planejamento energético, mas não foi. O novo governo decidiu que seus preconceitos ideológicos eram mais importantes que a segurança econômica. A maior parte dos capitais teria de vir de grupos privados, mas não se ofereceram, na regulamentação do setor, condições suficientes para estimular os investimentos necessários.

Além disso, os organismos de controle ambiental decidiram sujeitar o Brasil a seus critérios de tempo. Investidores passaram a esperar longamente para saber se os projetos seriam ou não aprovados. Também isso retardou decisões que são urgentes e aumentou o risco de um novo apagão.

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