O dossiegate é o Riocentro do PT, e Lula é o general Marcondes dessa tramóia
Blog do Reinaldo Azevedo
No dia 30 de abril de 1981, duas bombas explodiram no Pavilhão do Riocentro, no Rio. Uma delas matou o sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário e feriu gravemente o capitão Wilson Luiz Chaves, que servia no DOI-CODI do 1º Exército. A outra explodiu na caixa de força do local, sem maiores conseqüências. Acontecia lá um show em homenagem ao Dia do Trabalho, promovido pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade), entidade então Ligada ao Partido Comunista Brasileiro. Tratava-se da 74ª ação terrorista desde 1980, incluindo explosões de bancas de jornal e um atentado a bomba na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Vamos fazer um corte nesta cena. Voltaremos a ela.
A 10 de fevereiro de 1980, exatamente um ano, dois meses e 20 dias antes, no Colégio Sion, em São Paulo, cerca de 1.200 pessoas se reuniam, incluindo intelectuais do porte de Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido, para fundar o Partido dos Trabalhadores. Seu comandante inconteste era o sindicalista muito cedo — cedo demais! — tornado um mito das esquerdas: Luiz Inácio da Silva, o Lula. O apelido seria incorporado depois ao nome. A sigla não deixava dúvidas: patrão não entrava. Os princípios da legenda celebravam um oxímoro: ela lutaria pelo “socialismo democrático”. Margareth Thatcher havia iniciado na Europa, no ano anterior, uma verdadeira revolução ultraliberal. Os intelectuais e a própria imprensa brasileira anteviam, com a decadência da ditadura, o surgimento de um socialismo à moda da casa. Parece que andar na contramão da história é mesmo a nossa especialidade.
Voltemos à cena do primeiro parágrafo. Dois aloprados, a serviço dos porões da ditadura, iriam explodir uma bomba onde se encontravam nada menos de 20 mil pessoas. A idéia era mandar aos ares a abertura política que estava em curso, lenta e gradualíssima. Ninguém tinha dúvida do que tinha acontecido ali. Mas a versão da ditadura, naturalmente, era outra. Tratava-se, e foi a conclusão a que chegou um Inquérito Policial-Militar fajuto, de um atentado das esquerdas para gerar um clima de instabilidade no país.
O então comandante do 1º Exército, general Gentil Marcondes Filho, não precisou de IPM nenhum. Mandou brasa em cima do fato: “Eles foram vítimas de um atentado, é óbvio. O capitão estava no local cumprindo minhas ordens, em missão de informação". Foi a versão que prevaleceu. Estavam ali os dois patriotas para proteger a nação da sabotagem de cantores subversivos, e um terrorista de esquerda jogou no Puma cinza, placa OT 0297, a bomba que feriu gravemente o capitão Wilson e matou, deixando o corpo dilacerado, o sargento Guilherme, que levava o artefato no colo.
Lula é o general Gentil
Vinte e cinco anos depois daquele episódio, o PT que nascia para combater aquela ditadura também tem seus problemas para admitir a verdade. E protege, com igual denodo, seus terroristas. Se o general Gentil fingia a convicção de que as potenciais vítimas eram as responsáveis pela bomba, Luiz Inácio Lula da Silva, agora presidente da República, faz o mesmo em relação ao dossiê fajuto que os seus aloprados tentaram comprar. Disse o candidato do PT à reeleição neste sábado: “Quero saber quem foi o arquiteto desse negócio. Não era eu que precisava de dossiê”. Praticamente com as mesmas palavras, acusou, no debate de ontem com o tucano Geraldo Alckmin — em que foi esmagado —, os tucanos de serem responsáveis pelo dossiê contra José Serra. A bomba, como se sabe, explodiu no colo de Ricardo Berzoini, Jorge Lorenzetti, Osvaldo Bargas, Hamilton Lacerda, Gedimar Passos, Valdebran Padilha, Freud Godoy... Todos eles ligados ao PT, e a larga maioria gente da intimidade de Lula. A exemplo do general Gentil, que segurou a alça do caixão do sargento Guilherme, Lula adula os seus radicais. E se faz de vítima.
Sim, havia comunistas no Riocentro naquela noite. Ditaduras não precisam de motivos, só de pretextos. Para aqueles gorilas, essa evidência tornava verossímil a mentira. Assim como, para Lula, o fato de aparecer um falso laranja, levado à luz por uma pessoa filiada ao PSDB de uma cidade do interior de Minas, basta para que se invista na confusão: tudo não teria passado de uma trama dos adversários.
Na época, Márcio Thomaz Bastos era um advogado que militava nas hostes da oposição. Entre 1983 e 1985, foi presidente da Seccional da OAB São Paulo. Integrou o movimento das Diretas-Já e o Conselho Federal da Ordem entre 1987 e 1989, com atuação destacada durante a Constituinte. Foi um dos redatores do pedido de impeachment do presidente Collor. Hoje ministro da Justiça, atua como um verdadeiro criminalista do governo. É o pai da tese de que o mensalão não passou de mera caixa dois. Foi ele que impediu a divulgação das fotos da dinheirama do dossiê, contrariando portaria da própria Polícia Federal.
Cobrado a dar uma resposta mais rápida ao caso, afirmou: “Existe um tempo para a investigação séria e um tempo eleitoral.". Seu congênere à época do Riocentro, Ibrahim Abi-Ackel, afirmou então: “Reconheço que existe uma ânsia nacional para saber quem pratica atos como este. Por essa mesma razão, não me cabe inventar culpados. O que é procedente é agilizar providências para apurar tudo, e isso já fizemos". Não chegou a lugar nenhum. Ackel é hoje deputado do PP de MG, aliado de Lula.
Desdobramentos
O episódio do Riocentro fragilizou a ditadura, não o contrário. Embora as eleições diretas para a Presidência fossem chegar longos oito anos depois. Ocorre que havia naquilo tudo uma particularidade: vivia-se um regime discricionário. Hoje em dia, felizmente, vivemos em plena democracia. Esconder a verdade, num regime de força, não corrompe a sua natureza; antes, serve para desnudá-la. Já a mentira tornada oficial, na democracia, corrói a sua própria razão de ser.
Lula, aquele santo das massas parido por intelectuais supostamente iluministas no Colégio Sion, naquele 10 de fevereiro de 1980, não tem nenhum receio de se comportar como um generaleco de uma república bananeira. Joga no colo do adversário a bomba montada pelos seus aloprados. Aqueles tinham os seus motivos para ter horror à democracia. Estes também. São motivos diferentes. Até opostos, mas, sem dúvida, combinados. É mais uma razão por que ele não pode ser reeleito. Ainda que seja.
Leia aqui o texto da edição 661 de Veja, de 6 de maio de maio de 1981, sobre as explosões das bombas no Riocentro
No dia 30 de abril de 1981, duas bombas explodiram no Pavilhão do Riocentro, no Rio. Uma delas matou o sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário e feriu gravemente o capitão Wilson Luiz Chaves, que servia no DOI-CODI do 1º Exército. A outra explodiu na caixa de força do local, sem maiores conseqüências. Acontecia lá um show em homenagem ao Dia do Trabalho, promovido pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade), entidade então Ligada ao Partido Comunista Brasileiro. Tratava-se da 74ª ação terrorista desde 1980, incluindo explosões de bancas de jornal e um atentado a bomba na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Vamos fazer um corte nesta cena. Voltaremos a ela.
A 10 de fevereiro de 1980, exatamente um ano, dois meses e 20 dias antes, no Colégio Sion, em São Paulo, cerca de 1.200 pessoas se reuniam, incluindo intelectuais do porte de Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido, para fundar o Partido dos Trabalhadores. Seu comandante inconteste era o sindicalista muito cedo — cedo demais! — tornado um mito das esquerdas: Luiz Inácio da Silva, o Lula. O apelido seria incorporado depois ao nome. A sigla não deixava dúvidas: patrão não entrava. Os princípios da legenda celebravam um oxímoro: ela lutaria pelo “socialismo democrático”. Margareth Thatcher havia iniciado na Europa, no ano anterior, uma verdadeira revolução ultraliberal. Os intelectuais e a própria imprensa brasileira anteviam, com a decadência da ditadura, o surgimento de um socialismo à moda da casa. Parece que andar na contramão da história é mesmo a nossa especialidade.
Voltemos à cena do primeiro parágrafo. Dois aloprados, a serviço dos porões da ditadura, iriam explodir uma bomba onde se encontravam nada menos de 20 mil pessoas. A idéia era mandar aos ares a abertura política que estava em curso, lenta e gradualíssima. Ninguém tinha dúvida do que tinha acontecido ali. Mas a versão da ditadura, naturalmente, era outra. Tratava-se, e foi a conclusão a que chegou um Inquérito Policial-Militar fajuto, de um atentado das esquerdas para gerar um clima de instabilidade no país.
O então comandante do 1º Exército, general Gentil Marcondes Filho, não precisou de IPM nenhum. Mandou brasa em cima do fato: “Eles foram vítimas de um atentado, é óbvio. O capitão estava no local cumprindo minhas ordens, em missão de informação". Foi a versão que prevaleceu. Estavam ali os dois patriotas para proteger a nação da sabotagem de cantores subversivos, e um terrorista de esquerda jogou no Puma cinza, placa OT 0297, a bomba que feriu gravemente o capitão Wilson e matou, deixando o corpo dilacerado, o sargento Guilherme, que levava o artefato no colo.
Lula é o general Gentil
Vinte e cinco anos depois daquele episódio, o PT que nascia para combater aquela ditadura também tem seus problemas para admitir a verdade. E protege, com igual denodo, seus terroristas. Se o general Gentil fingia a convicção de que as potenciais vítimas eram as responsáveis pela bomba, Luiz Inácio Lula da Silva, agora presidente da República, faz o mesmo em relação ao dossiê fajuto que os seus aloprados tentaram comprar. Disse o candidato do PT à reeleição neste sábado: “Quero saber quem foi o arquiteto desse negócio. Não era eu que precisava de dossiê”. Praticamente com as mesmas palavras, acusou, no debate de ontem com o tucano Geraldo Alckmin — em que foi esmagado —, os tucanos de serem responsáveis pelo dossiê contra José Serra. A bomba, como se sabe, explodiu no colo de Ricardo Berzoini, Jorge Lorenzetti, Osvaldo Bargas, Hamilton Lacerda, Gedimar Passos, Valdebran Padilha, Freud Godoy... Todos eles ligados ao PT, e a larga maioria gente da intimidade de Lula. A exemplo do general Gentil, que segurou a alça do caixão do sargento Guilherme, Lula adula os seus radicais. E se faz de vítima.
Sim, havia comunistas no Riocentro naquela noite. Ditaduras não precisam de motivos, só de pretextos. Para aqueles gorilas, essa evidência tornava verossímil a mentira. Assim como, para Lula, o fato de aparecer um falso laranja, levado à luz por uma pessoa filiada ao PSDB de uma cidade do interior de Minas, basta para que se invista na confusão: tudo não teria passado de uma trama dos adversários.
Na época, Márcio Thomaz Bastos era um advogado que militava nas hostes da oposição. Entre 1983 e 1985, foi presidente da Seccional da OAB São Paulo. Integrou o movimento das Diretas-Já e o Conselho Federal da Ordem entre 1987 e 1989, com atuação destacada durante a Constituinte. Foi um dos redatores do pedido de impeachment do presidente Collor. Hoje ministro da Justiça, atua como um verdadeiro criminalista do governo. É o pai da tese de que o mensalão não passou de mera caixa dois. Foi ele que impediu a divulgação das fotos da dinheirama do dossiê, contrariando portaria da própria Polícia Federal.
Cobrado a dar uma resposta mais rápida ao caso, afirmou: “Existe um tempo para a investigação séria e um tempo eleitoral.". Seu congênere à época do Riocentro, Ibrahim Abi-Ackel, afirmou então: “Reconheço que existe uma ânsia nacional para saber quem pratica atos como este. Por essa mesma razão, não me cabe inventar culpados. O que é procedente é agilizar providências para apurar tudo, e isso já fizemos". Não chegou a lugar nenhum. Ackel é hoje deputado do PP de MG, aliado de Lula.
Desdobramentos
O episódio do Riocentro fragilizou a ditadura, não o contrário. Embora as eleições diretas para a Presidência fossem chegar longos oito anos depois. Ocorre que havia naquilo tudo uma particularidade: vivia-se um regime discricionário. Hoje em dia, felizmente, vivemos em plena democracia. Esconder a verdade, num regime de força, não corrompe a sua natureza; antes, serve para desnudá-la. Já a mentira tornada oficial, na democracia, corrói a sua própria razão de ser.
Lula, aquele santo das massas parido por intelectuais supostamente iluministas no Colégio Sion, naquele 10 de fevereiro de 1980, não tem nenhum receio de se comportar como um generaleco de uma república bananeira. Joga no colo do adversário a bomba montada pelos seus aloprados. Aqueles tinham os seus motivos para ter horror à democracia. Estes também. São motivos diferentes. Até opostos, mas, sem dúvida, combinados. É mais uma razão por que ele não pode ser reeleito. Ainda que seja.
Leia aqui o texto da edição 661 de Veja, de 6 de maio de maio de 1981, sobre as explosões das bombas no Riocentro
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