segunda-feira, setembro 11, 2006

Cerco à liberdade de imprensa

O Estado de São Paulo
O discurso do presidente Lula lido em recente reunião da Associação Nacional de Jornais (ANJ) foi equilibrado e conceitualmente preciso. Mas no Palácio do Planalto, e sob sua batuta, a música é outra. Renasce, à sombra de Luiz Dulci, ministrochefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, nova estratégia de controle da liberdade de imprensa no Brasil. O almejado segundo mandato já tem algumas premissas perfiladas: fim das metas na economia e pôr o guizo na imprensa.
O governo, como de costume, nega a mão do gato. Mas o jornalista Fabio Koleski, autor do texto intitulado Comunicação e Democracia,éu dos principais assessores de Dulci, ministro e amigo do presidente da República. Koleski diz que 'sistematizou' sugestões de dezenas de militantes do partido, que podem ou não ser incluídas no programa do governo. O texto sugere, entre outras coisas, a criação de 'assembléias populares' para revisão de concessões de rádio e televisão, a formação de uma Secretaria de Democratização da Comunicação no Planalto, a distribuição de incentivos oficiais para jornais independentes.
As idéias, inspiradas no ideário autoritário de Hugo Chávez, mostram, mais uma vez e com clareza meridiana, o que, de fato, se passa na cabeça, e não nos discursos, do presidente Lula. O apreço de seu governo pela imprensa e pelos jornalistas pode ser medido pelo tom, arrogante e desabrido, das palavras do coordenador do seu programa de governo, Marco Aurélio Garcia. O assessor presidencial acusou 'alguns' formadores de opinião do País - não disse quais - de tentarem desacreditar a boa avaliação alcançada pelo governo e pela liderança da candidatura Lula nas pesquisas.
Durante a apresentação do programa de governo do presidente, ele classificou de 'golpismo' a atuação desses formadores de opinião, que chamou de 'deformadores de opinião'.
Certamente, você, caro leitor, deve estar buscando as razões de tamanha agressividade. É fácil. Repórteres corretos, editores competentes e formadores de opinião éticos não são vendáveis. Não se agrupam em falanges ideológicas.
Não são bibelôs de nenhum governo. Deste, dos anteriores ou dos futuros. Estão, não obstante suas limitações pessoais, comprometidos com a informação, com a verdade factual e com os seus leitores. Por isso, incomodam. Na lógica das estratégias autoritárias, jornalistas precisam ser amordaçados e domesticados.
A imprensa, por óbvio, não existe para adular. No exercício da sua missão, denunciou um quadro de corrupção sem precedentes na nossa História.
Ministros de Estado despencaram do poder, foram indiciados pela Polícia Federal e denunciados pelo Ministério Público. Presidentes e diretores de estatais se viram envolvidos em escândalos sucessivos. Assessores e amigos do presidente da República foram pilhados em situações gravemente constrangedoras e positivamente criminosas. Tudo isso não foi 'armação da imprensa'. Consta, na verdade, de denúncia formal e fundamentada do procurador-geral da República. O governo, em vez de agradecer o trabalho purificador da mídia, instituição essencial na democracia, está empenhadíssimo na urdidura da mordaça.
O cerco à liberdade de imprensa não é novidade. Quem não se lembra dos capítulos precedentes da novela autoritária? Vamos refrescar a memória. Elaborados na surdina, como agora, diga-se de passagem, o governo enviou dois projetos antidemocráticos ao Congresso Nacional. O anteprojeto do Ministério da Cultura criando a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), para controlar a produção cinematográfica, a programação e as concessões de emissoras de televisão, e o projeto que propunha a criação do Conselho Federal de Jornalismo, atribuindo-lhe a prerrogativa de 'orientar, disciplinar e fiscalizar' o exercício da profissão de jornalista e a atividade jornalística no País. O primeiro, que está sendo reformulado, mereceu expressiva avaliação do cineasta Cacá Diegues em artigo publicado no jornal O Globo. Segundo o diretor de Deus é Brasileiro, o anteprojeto é 'autoritário, burocratizante, concentracionista e estatizante'. O segundo, sintomaticamente, acabou sendo retirado da pauta do Congresso pelo próprio Planalto. Se tivesse vingado, o governo deteria o controle absoluto de uma atividade em cuja essência estão as liberdades de expressão e de informação asseguradas pela Constituição. O projeto estava, portanto, em linha de confronto com a Constituição. O veneno antidemocrático era forte demais.
Agora, embalado no sonho de um novo mandato, o governo retoma o contra-ataque à liberdade de imprensa. Silenciar os meios de comunicação sempre foi a estratégia dos autoritários, independentemente do seu colorido ideológico.
Mas não vai ser fácil. Felizmente. A sociedade brasileira, ao contrário do que acontece na Venezuela, não depende do Estado de modo tão absoluto. As instituições, sem dúvida, foram feridas pelo aguilhão da corrupção. Basta pensar, por exemplo, nos estragos causados à imagem do Poder Legislativo e na crise de credibilidade que castiga a Presidência da República. A crise ética é gravíssima. O presidente Lula, que teve uma bela trajetória sindical e política, parece não se dar conta da sua imensa responsabilidade. É uma pena.
Apesar de tudo, estamos amadurecendo. O País encontrará o seu eixo. E os que tratam o dinheiro público como negócio privado pagarão o preço da sua delinqüência. Confio no Ministério Público e no Judiciário. O Brasil chegará lá. Pacificamente. Graças aos homens de bem e à força das suas instituições democráticas.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia E-mail: difranco@ceu.org.br

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